Olimpíadas e o ouro da televisão


Transmissões ao vivo das Olimpíadas bateram recordes pelo mundo. Crédito: Record

As Olimpíadas são mais uma mostra que a anunciada morte da televisão continua sendo um discurso ainda a ser melhor comprovado. Os números dizem por si: mais da metade do mundo acompanhou com frequência, com recordes de audiência em todos os sentidos. 2,5 bilhões de pessoas acompanharam a abertura do evento. A Globo chegou a ter mais audiência que na Copa do Mundo. Os bares, essas manifestações cruas da realidade, transmitiam jogos de handebol...

Antes de mais nada, tem a questão da grana. Os indícios de que o negócio continua bom foram fartos. As emissoras abertas transmitiam as competições, mesmo que concomitantemente entre elas. Mudaram grades tradicionais, mantiveram equipes com alto custo de estrutura. Nos canais pagos, dezenas de opções durante todo o dia. Trocentas mesas redondas. Na minha cabeça de ex-produtor, só pensava que cada transmissão tinha uma equipe complexa de técnicos e apresentadores, gerando um custo de forma alguma depressível. Então, se tinha alguém que pagava a fatura, deve ser porque o negócio é bom. E se é bom, acabar porque? 

Ah, dirão alguns, mas uma parte significativa foi pela Internet. E daí? Deixou de ser televisão porque mudou o meio de transmissão? TV não é aparelho eletrodoméstico, mas uma cultura audiovisual, com seu próprio conjunto de valores e personalidade, com seu rol específico de comportamentos e atributos e, ainda, com um ritmo e uma gramática que lhes são própria. E todos esses elementos estavam nas Olimpíadas,  incansavelmente procurados pelas audiência no mundo todo.


A televisão tem a capacidade de conectar ao imediatismo, ao inédito, ao factual, ao que, afinal, está acontecendo agora (entre outras coisas). Seus enquadramentos, seu ritmo de edição, a locução, são simulacros bem realizados da nossa própria tentativa de percepção do ambiente. Não se está atrás da fantasia escapista do cinema comum, da imaginação mental do rádio, da fragmentação e da pretensiosa supra informação da internet.

Na TV, a percepção (equivocada ou não) é do mundo acontecendo (passado, presente, futuro), no ritmo dele e não do nosso (como impomos na navegação virtual). Ao assistir um salto com vara, o tempo é o do atleta, na sua concentração e na sua explosão muscular. A completude da informação focada no corpo do atleta, seu percurso e sua queda. Deixo a lágrima para após, quando a emoção será mais um dado relevante. Televisão é síntese, dá apenas o que se precisa, sem dispersão. É produção audiovisual na veia. 

Se vejo tudo isso ao vivo ou depois na internet, se no aparelho da sala ou no smartphone, pouco importa: é cultura construída nos seus quase 90 anos, que reconhecemos facilmente, e com qual nos identificamos. Talvez daí o sucesso da abertura da Olimpíada que, no afã de economizar, fez o maior tributo à produção audiovisual da sua história. O centro do Maracanã era um ecrã onde, pela primeira vez, vi um 3D que prestasse. Tudo sintético, simples e sofisticado ao mesmo tempo, em um ritmo calmo, sem frenéticas mudanças. E sem viagens típicas dos desfiles de escola de samba onde uma mulata tem a impossível obrigação de representar a deusa originária da concepção cáustica entre dois sub-reinos metafóricos.

Televisão é para simplificar, é para assistir sem movimentos bruscos, para abrir a janela do mundo, se debruçar e voltar aos pequenos encantamentos infantis e adolescentes. Nas competições, nosso lugar cativo (muito mais barato e prático do que nos estádios) nos remete à novela, ao programa de auditório, ao telejornal: "aconteça e me deixe presenciar". Mesmo que freneticamente eu digite nas redes sociais sobre o que vejo na tela (telinha, telona), é de lá que sou incentivado a buscar minhas motivações, num jogo lúdico, rápido e mágico onde tenho pouco controle sobre. Ainda bem, porque ser interativo, proativo, conectado, ágil e frenético, no final, cansa. Vai aí, me conta uma boa história, me diga o que está acontecendo, me mostre os seres humanos sofrendo e se superando para que eu me sinta também um. 


Enquanto o ser humano necessitar dessa sopa de angústias e alegrias, de se sentir testemunha da humanidade, nas suas alegrias e tristezas, ou só quiser dar um tempo, teremos boa televisão, não importa por qual meio de transmissão.

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