Robôs estão escrevendo as notícias que anda lendo. Então, para quê servirá a mídia impressa?

Robôs estão dando as notícias. Adeus jornalistas? Crédito: Pixabay CC0 Public Domain

Estamos assistindo o fim da mídia impressa? Puxa, acho que tem mais de vinte anos que estão decretando isso! Ok, pelo mundo a diminuição dos impressos é notória. No Brasil, não foi muito sentida, não porque não houve diminuição dos jornais impressos, mas porque as pessoas já não liam jornal mesmo. Quando a Folha de S. Paulo se pavoneava como o maior do país, sua tiragem mal passava do milhão, menos do que 2% da população.

A internet deu uma chacoalhada, e hoje a média é de pífios 300 mil exemplares diários dos maiores jornais no país. "Ah, viu, então acabou!" Pois não, ao contrário, nunca se leu tantas notícias como agora. Principalmente quem não lia, como jovens e trabalhadores sem grana para comprar jornal tradicional. A internet, os jornais gratuitos e de baixo custo, são a grande mudança no jornalismo impresso (aliás, é melhor trocar "mídia impressa" por "mídia escrita", ou algo do gênero). O problema, portanto, está mais no modelo de negócio dos jornais tradicionais, alguns já encontrando saídas. De fato, não dá mais para esperar que os anúncios cubram as despesas e a remuneração dos donos dos jornais. Mas é inegável o ser humano ainda precisa, anseia desesperadamente, saber das últimas.

A tecnologia não só tirou os jornais impressos das mãos dos leitores, colocando as notícias nos computadores e smartphones, mas também muitos empregos de jornalistas e gráficos. A causa disso é facilmente entendida quando se sabe que vários órgãos de impressa e agências de notícias já 'contrataram' sistemas de computação para editar as informações e colocá-las no tradicional formato de texto que as pessoas estão acostumadas. Não tenha dúvidas: parte das notícias que você anda lendo foram feitas por robôs.

"Oh, o horror, estamos mesmo sendo substituídos pelas máquinas!", dirão os apocalípticos. No entanto, quando fico sabendo, por Ricardo Balthazar, que uma das principais funções desses 'profissionais cibernéticos' do jornalismo é transformar os boletins de ocorrência da polícia de Los Angeles em texto noticioso, me lembro do meu primeiro emprego como editor de um jornal no interior de Minas Gerais. Sim, porque editar os BOs era mesmo um ato robótico. Me lembro de pegar aqueles boletins rosas, com aquela divertida e metafórica linguagem peculiar dos policiais (cheia de 'elemento', 'substância', 'desferir', 'evasão', além de muito 'o mesmo') e apenas traduzir para as três linhas que cada ocorrência merecia do jornal. Era a última coisa que fazia por exigir menos elaboração mental. Caramba, como seria bom se eu tivesse naquela época um robozinho para fazer isso para mim...

Além de ter mais tempo para recuperar as energias, tal funcionário eletrônico me deixaria com o que eu realmente gostava mais de fazer: pinçar o valia a pena aprofundar. Não porque tivesse mais sangue (embora esse seja o critério de muitos outros jornais), mas porque poderia dar a oportunidade de explorar outros fatores e acontecimentos que estavam em conexão com aquela notícia, mas não claramente especificados e conectados. Buscar a relevância, taí uma das habilidades e competências de um jornalista. E o que se espera dele.

E isso é dificil para um robô fazer: entender a complexidade do ser humano, de como a tal efeito borboleta, algo simples que, aparentemente, não tem nada a ver, mas que influencia e é influenciado por uma sequência de outros fatos, atuais ou históricos. Um robô pode até detectar um aumento de criminalidade em determinada região, mas é pouco provável que irá fazer a conexão adequada com o momento de insegurança social do país ou do continente americano. Será que um robô daria a notícia de que, em 2017, o surto de febre amarela em Minas Gerais pode ter conexão com o desastre ambiental da Samarco, de 2015?

Portanto, o que sobra para o jornalismo pós-papel é algo muito melhor, que tinha sido esquecido ao longo de seus últimos momentos pré-internet: a credibilidade. Na boa, os jornais já estavam robotizados antes mesmo da criação dos sistemas, e a reprodução das notícias, assim como a leitura delas, nada mais era do que uma confirmação do que se já sabia, veiculadas por meios mais rápidos, como a TV e o rádio. Era uma maneira bem confortável, tanto para jornais como para leitores, um micro universo que todos já se entendiam, sem muitas surpresas. Pois bem, agora, se quiserem ser ainda relevantes, os veículos devem voltar às suas origens, serem tradutores da realidade, o facilitador, ou complicador, do ocorrido, que explique para as pessoas o que realmente está acontecendo. E, para isso, como tudo na vida, nada é simples e está conectado a complexidade do que é ser humano, tanto na sua individualidade quanto na sua obrigação angustiosa de viver em grupos sociais.

A boa notícia é que os jornais ainda mantêm esse capital de credibilidade. O brasileiro tem nos jornais a mídia em que mais confia, como apontada na Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, e que explorei quanto à TV e à Internet nas semanas passadas. O exemplo oposto, de seu concorrente nas gráficas, as revistas, só perdem para internet no quesito confiança, porque caminharam para esse descrédito justamente ao abriram mão dos instrumentos fundamentais do jornalismo: a apuração, a checagem da redundância da informação, a necessidade de entender a complexidade social, histórica e factual na qual a notícia está inserida. E a busca utópica - já que jamais alcançada, mas insistentemente perseguida - da isenção.  



Grau de confiança nas notícias que circulam em cada mídia
  


Confia sempre
Confia muitas vezes
Confia poucas vezes
Nunca confia
Não sabe
TV
27
26
38
8
1
Radio
29
28
35
6
2
Jornal
30
30
36
4
1
Revista
15
25
51
7
2
Internet
6
14
62
16
2
Fonte: Pesquisa Brasileira de Mídia 2016

Acrescente-se aí outra habilidade que também foi sendo esquecida pelo jornalismo: a criatividade. Imaginar horizontes, descobrindo conjunturas, através de um texto atraente, competitivo com outras mídias, que faça do leitor não um depositário de informação, mas um criador de cenários e elaborações mentais, pertinente para quem lê. Algo que lhe dê o desafio de construir a história por si próprio, a partir de suas referências, suas vivências, necessidades e desejos, fazendo do jornalismo uma fonte de descobrimentos e revelações.

A resposta aos conhecidos "quem, faz o quê, quando, porquê, como e onde", de fato pode ser feita por um bom software. Mas fazer o link com o entorno e com o interno, só outro ser humano com as mesmas angústias, histórias, sentimentos e ligações antropológicas. Até mesmo para questionar seu próprio questionamento: será mesmo que o desastre da Samarco tem a ver com o surto de febre amarela ou é também outro factoide sem a devida apuração? 

Para finalizar, dizer que o tal jornalismo impresso que está acabando é muitas vezes associado apenas ao jornais das grandes capitais. Porque no grande e vasto interior do país, o papel ainda tem grande presença, na maioria das vezes com uma função muito diferente do jornalismo considerado ideal, que representa uma visão de uma parcela da população, limitada por seus próprios interesses políticos ou morais. Jornalzinho do interior ainda bomba e não é incomum cidades pequenas terem quatro, cinco deles competindo pela atenção dos munícipes. Mas que atraem a leitura de muitas pessoas, ansiosas em saber das últimas da sua cidade, mesmo que por uma visão enviesada.

O que aqui importa é que, portanto, não há só um tipo de jornalismo impresso, aquele da utopia, e que, antes de escrevermos seus obituários, seria melhor consultar aqueles que ainda aguardam a próxima edição, que seja do jornalzinho impresso do interior, com as colunas políticas e sociais altamente comprometidas, ou o New York Times no smartphone.

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